As contribuições da Psicomotricidade na Educação Infantil
Introdução
Este estudo tem por foco de investigação a importância da Psicomotricidade na Educação Infantil, como meio de auxiliar o desenvolvimento das crianças, por meio das experiências motoras, cognitivas e socioafetivas indispensáveis à formação.
Há várias definições em torno do que seja a Psicomotricidade, desde o seu surgimento, quando seguia uma vertente teórica, depois prática, até chegar ao meio-termo entre as duas. Contudo, podemos dizer que a Psicomotricidade tem como objeto de estudo o movimento humano, reunindo as áreas pedagógicas e de saúde.
A Psicomotricidade envolve toda ação realizada pelo indivíduo; é a integração entre o psiquismo e a motricidade, buscando um desenvolvimento global, focando os aspectos afetivos, motores e cognitivos, levando o indivíduo à tomada de consciência do seu corpo por meio do movimento.
Este estudo pontua também algumas fases fundamentais dentro do processo de desenvolvimento motor infantil de grande relevância, com o intuito de auxiliar pedagogos e professores, para que entendam os conceitos da Psicomotricidade e sua importância no processo de aprendizagem das crianças na Educação Infantil.
Le Boulch (1985, p. 221) observa que “75% do desenvolvimento psicomotor ocorrem na fase pré-escolar, e o bom funcionamento dessa área facilitará o processo de aprendizagem futura”.
Portanto, é importante que o professor da Educação Infantil tenha consciência de que a criança atua no mundo por meio do movimento; daí a importância de o professor conhecer o desenvolvimento motor e suas fases, para que seja capaz de propor atividades fundamentadas nos conceitos da psicomotricidade, criando currículos e projetos em que as crianças utilizem o corpo como meio para explorar, criar, brincar, imaginar, sentir e aprender.
Num ambiente altamente favorável, o nosso menino ou menina pode encontrar possibilidade de retirar o máximo proveito de suas potencialidades inatas. Num ambiente diferente e hostil, apenas algumas dessas potencialidades básicas poderão exprimir-se (GESELL, 2003, p. 42).
O processo educativo não deve basear-se somente em teorias, mas também na força das relações afetivas; quando as crianças vivem em um ambiente que as compreende, elas se tornam mais autoconfiantes. Dessa forma, a qualidade na relação entre professor e aluno é fundamental no processo pedagógico.
Há algum tempo, as crianças experimentavam de maneira espontânea, por meio do brincar diário, atividades motoras suficientes para que adquirissem habilidades motoras mais complexas. Os verbos brincar, aprender e crescer eram indissociáveis.
A infância hoje é bem diferente; algumas mudanças aconteceram; a urbanização, a necessidade de segurança e o avanço tecnológico são fatores que diminuíram os espaços e a liberdade para que as crianças pudessem simplesmente brincar.
É nesse momento que a escola deve ser a grande aliada, não somente para garantir um futuro profissional brilhante para essas crianças como também, do mesmo modo, ajudando-as se tornar indivíduos autônomos, criativos e críticos.
O problema
Diante das diversas dificuldades com que nos deparamos nas nossas atividades diárias na condição de educadores, por vezes acabamos rotulando nossos alunos como desatentos, desmotivados, indisciplinados ou incapazes de desempenhar atividades mais complexas, não considerando que muitas dificuldades estão atribuídas as práticas psicomotoras que deixaram de ser trabalhadas durante a Educação Infantil.
A criança deve viver o seu corpo através de uma motricidade não condicionada, em que os grandes grupos musculares participem e preparem os pequenos músculos, responsáveis por tarefas mais precisas e ajustadas. Antes de pegar num lápis, a criança já deve ter, em termos históricos, uma grande utilização da sua mão em contato com inúmeros objetos (FONSECA, 1993, p. 89).
As descobertas e as aprendizagens das crianças na fase pré-escolar ocorrem por sua vivência corporal, pela exploração do ambiente e da manipulação dos objetos. As práticas quase sempre inadequadas ou insuficientes de atividades psicomotoras importantes para o processo de aprendizagem é consequência da falta de conhecimento do professor da Educação Infantil. A formação inicial desse professor não o qualifica o suficiente para a fundamentação psicomotora e, com isso, não têm conhecimentos suficientes para propiciar às crianças atividades adequadas ao bom desenvolvimento psicomotor.
Contudo, as atividades precisam ser planejadas, o que demanda reflexão, pois a associação de exercícios puramente analíticos, que exigem além da fase de desenvolvimento daquele grupo, corre o risco de inibir as crianças menos desenvolvidas.
Nessa perspectiva, é necessário que os professores da Educação Infantil tenham uma formação inicial consistente e acompanhada de permanentes atualizações; a Psicomotricidade é uma delas.
O objetivo deste estudo é suscitar questionamentos, debates e reflexões acerca da importância da Psicomotricidade no currículo da Educação Infantil, como proposta de atuação para professores, pedagogos e demais profissionais da área de Educação. Com a finalidade de facilitar o entendimento dos conceitos teóricos, buscando enfatizar as contribuições positivas, pontuamos alguns aspectos básicos da Psicomotricidade, como equilíbrio, lateralidade e esquema corporal, de grande relevância no processo de aprendizagem das crianças.
Cabe ressaltar a importância do professor para assumir o papel de facilitador, permitindo à criança situações e estímulos cada vez mais variados, com experiências concretas e vividas com o corpo inteiro, trazendo a Psicomotricidade sob um olhar pedagógico e preventivo.
Este estudo se propõe a desenvolver o pensamento crítico e reflexivo quanto à importância da Psicomotricidade no contexto escolar, em especial durante a Educação Infantil, por meio da relação próxima entre o desenvolvimento psicomotor e as aquisições básicas para as aprendizagens escolares.
Como pedagogos conscientes da utilidade da Psicomotricidade na escola, temos como dever orientar e conscientizar os professores e demais profissionais envolvidos no processo de ensino-aprendizagem de que a educação pelo movimento é uma peça fundamental na área pedagógica.
Este estudo foi desenvolvido a partir de leitura crítica e redação dialógica a partir dos autores que abordaram o assunto. Foram consultadas referências bibliográficas das áreas de Psicomotricidade, Pedagogia e Educação Física, tendo como público-alvo o professor da Educação Infantil, pois pensamos que todos os professores deveriam ter acesso aos conhecimentos psicomotores, a fim de propiciar que as crianças realizem experiências com o corpo indispensáveis ao desenvolvimento mental e social.
Durante a idade pré-escolar, deverão ser identificados problemas de desenvolvimento que possam comprometer a aprendizagem escolar, bem como desenvolver aptidões pré-escolares necessárias. Durante a idade escolar, as atitudes dos educadores, a aplicação de seus métodos e a invenção de novos instrumentos deveriam ser estudadas em termos interdisciplinares (FONSECA, 2008, p. 534).
Baseada nisso, dá-se a necessidade de cuidar integralmente da criança que adentra a escola, dando possibilidades e condições motoras, cognitivas e socioafetivas.
A Educação Infantil
A Educação Infantil no Brasil não é preocupação muito antiga; durante muito tempo o papel das escolas que atendiam crianças de 0 a 5 anos era de caráter apenas assistencialista; hoje quebramos o paradigma de que nessa faixa etária elas vão à escola somente para “brincar”. E entendemos que a função de brincar é também um processo educativo para novas descobertas cognitivas e de importância na relação que a criança estabelece com os objetos e com os grupos.
O atendimento institucional à criança no Brasil e no mundo mostra, ao longo de sua história, concepções diferentes sobre sua finalidade social e formadora. A criança é um indivíduo dotado de capacidades e que necessita de um ambiente favorável, estável, acolhedor e construtivo para se desenvolver. Como nem sempre a vivência familiar favorece esses elementos, é dever da escola oportunizá-las nas melhores condições possíveis.
A partir da Constituição Federal de 1988, a Educação Infantil em creches e pré-escolas passou a ser, do ponto de vista legal, dever do Estado e direito da criança (Art. 208, inciso IV). Com a implantação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96), o MEC, a fim de orientar as escolas, elaborou em 1998 o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998, volume 3, p. 23). Nele está:
Nesse processo, a educação poderá auxiliar o desenvolvimento das capacidades de apropriação e conhecimento das potencialidades corporais, afetivas, emocionais, estéticas e éticas, na perspectiva de contribuir para a formação de crianças felizes e saudáveis.
Entendendo a importância da pré-escola como etapa anterior ao Ensino Fundamental de grande relevância no desenvolvimento da criança e para as aquisições de aprendizagens futuras, a LDB, por meio da Lei nº 12.796, de 2013, alterou o seu Art. 6º, obrigando pais e responsáveis a matricular a criança na Educação Básica a partir dos quatro anos de idade.
Nesses novos tempos, o desafio é estimular a criança na Educação Infantil sem perder a ludicidade, levando à criança atividades adequadas e prazerosas, respeitando sempre as características individuais. A Educação Infantil tem como propósito o desenvolvimento integral da criança, numa linguagem que consente que as crianças ajam sobre o físico. Por isso, é de extrema importância a abordagem da Psicomotricidade nessa etapa do desenvolvimento infantil, possibilitando que ela compreenda o seu corpo e as maneiras de se expressar por meio dele, localizando-se no tempo e no espaço.
Segundo Freire (1989, p. 20),
o significado, nessa primeira fase da vida, depende, mais que em qualquer outra, da ação corporal. Entre os sinais gráficos de uma língua escrita e o mundo concreto, existe um mediador, às vezes esquecido, que é a ação corporal.
Atualmente, é bastante comum nas pré-escolas brasileiras a “preparação para a prontidão”, que seria um treinamento, antecipação, aceleração ou preparação para o 1º ano do Ensino Fundamental. Kramer (2007, p. 25) afirma:
Por não levarem em consideração os determinantes sociológicos e antropológicos do processo educacional e por terem uma concepção da criança apenas como “futuro adulto” é que tais estratégias se voltam apenas à preparação.
Nessa perspectiva, muitas escolas de Educação Infantil não dão a devida importância para a estruturação do desenvolvimento psicomotor, que é a base determinante para a aquisição das novas aprendizagens dentro e fora da escola.
A Psicomotricidade e o desenvolvimento infantil
Desde a Antiguidade o corpo humano é valorizado. É possível perceber no pensamento da cultura grega o culto ao esplendor físico, retratado principalmente nas suas obras de arte e esculturas existentes até os dias atuais nos templos da Grécia. A história conta que, por longo tempo, o ser humano foi entendido de forma fragmentada, separando o corpo e a alma; esse dualismo sempre foi motivo de estudo.
Ao longo dos tempos, vários pensamentos românticos tentaram explicar essa relação entre corpo e mente; porém, a partir de alguns pensamentos mais radicais, no século XIX o termo Psicomotricidade apareceu pela primeira vez num discurso médico, mais especificamente neurológico, para nomear as zonas do córtex cerebral situadas além das regiões motoras.
A história do saber da Psicomotricidade representa já um século de esforço de ação e de pensamento; a sua cientificidade, na era da cibernética e da informática, vai-nos permitir certamente ir mais longe da descrição das relações mútuas e recíprocas da convivência do corpo com o psíquico. Essa intimidade filogenética e ontogenética representa o triunfo evolutivo da espécie humana, um longo passado de vários milhões de anos de conquistas psicomotoras (FONSECA, 1988, p. 99).
Considerado o Pai da Psicomotricidade, Dupré, neuropsiquiatra francês, em 1909 foi uma figura de grande importância para o âmbito psicomotor, já que afirmou a independência da debilidade motora com um possível correlato neurológico. Depois desvincula e estabelece as diferenças entre elas, constatando que é possível ter dificuldades motoras sem alterações intelectuais e vice-versa.
Em 1947, Julian Ajuriaguerra, psiquiatra, redefine a concepção de debilidade motora, considerando-a uma síndrome com suas particularidades próprias, e delimita com nitidez os transtornos psicomotores que hesitam entre o neurológico e o psiquiátrico. Nesse momento, a influência da Neuropsiquiatria é determinante. O corpo é apenas um instrumento, uma ferramenta de trabalho para o reeducador que se propõe a consertá-lo, visando corrigir distúrbios e preencher lacunas de desenvolvimento das crianças excepcionais.
A Psicomotricidade passa a ser entendida como uma ciência que estuda o indivíduo em função de seus movimentos, sua realização, seus aspectos motores, afetivos, cognitivos, resultados da relação do sujeito com o seu meio social.
Como se pode notar, a Psicomotricidade tem o objetivo de enxergar o ser humano em sua totalidade, nunca separando o corpo (sinestésico), o sujeito (relacional) e a afetividade; sendo assim, ela busca, por meio da ação motora, estabelecer o equilíbrio desse ser, dando lhe possibilidades de encontrar seu espaço e de se identificar com o meio do qual faz parte (GONÇALVES, 2011, p. 21).
No Brasil, a Psciomotricidade desenvolveu-se pela vertente da Educação Física e, até os anos 1980, a Psicomotricidade na escola ocupava-se apenas dos problemas e das dificuldades ligadas às estruturas psicomotoras de base, como andar, saltar, correr, observar equilíbrio, lateralidade e noção espaço-corporal, entre outros. Nos dias atuais, os educadores e outros profissionais que atuam na escola devem procurar especializar-se em atender a demanda que as crianças trazem para o ambiente escolar, a fim de transformar o conceito de reeducação para o de educação em sua definição mais ampla. A partir dessas novas contribuições, a Psicomotricidade diferencia-se de outras disciplinas, adquirindo suas próprias especificidades.
Segundo a etimologia, a palavra Psicomotricidade é formada por dois termos de diferentes: a palavra psyché, traduzida por “alma”, e a palavra latina motorius, traduzida por “que tem movimento”. Diversos autores e estudiosos da Psicomotricidade registram definições a respeito dessa ciência e, dentro da perspectiva deste estudo, destacamos a definição dada pela Sociedade Brasileira de Psicomotricidade:
A Psicomotricidade é uma ciência que tem como objetivo o estudo do homem através do seu corpo em movimento em relação ao seu mundo interno e externo, bem como suas possibilidades de perceber, atuar, agir com o outro, com os objetos e consigo mesmo. Está relacionada ao processo de maturação, em que o corpo é a origem das aquisições cognitivas, afetivas e orgânicas. Psicomotricidade, portanto, é um termo empregado para uma concepção de movimento organizado e integrado, em função das experiências vividas pelo sujeito, cuja ação é resultante de sua individualidade e sua socialização.
É pelo seu corpo que a criança vai descobrir o mundo, explorar situações, experimentar sensações, expressando-se, percebendo-se e percebendo o que as cerca. Por meio da interiorização das sensações, à medida que a criança se desenvolve e quanto mais o meio oferecer condições, ela vai ampliando suas percepções e controlando seu corpo.
É por meio do movimento que a criança explora o mundo exterior e é por essas experiências concretas que são construídas as noções básicas para o desenvolvimento intelectual. Por isso, a importância de que a criança viva o concreto; é a partir dessa exploração que ela desenvolve a consciência de si e do mundo externo.
Desde os primeiros dias de vida a criança se desenvolve de forma contínua, e é pelo movimento que a criança estabelece as primeiras formas de linguagem. Entendemos que, para que ocorra um desenvolvimento global e harmonioso da criança, o professor deverá estar habilitado e é de relevante importância que ele entenda os conceitos da Psicomotricidade, as bases psicomotoras e suas aplicabilidades no processo de aprendizagem; é importante estimular o toque, a percepção do próprio corpo, pular, correr, subir, descer, andar descalço, perceber as diferentes texturas, manipular objetos de diferentes tamanhos, permitido uma união entre a psique e o corpo. O professor deve permitir que os alunos experimentem o mundo ao seu redor sem interferir o tempo todo com métodos e resultados. Porém observar, sem bases teóricas, as crianças brincando significa deixar escapar a essência do ato.
É pela motricidade e pela visão que a criança descobre o mundo dos objetos e é manipulando-os que ela redescobre o mundo; porém essa descoberta a partir dos objetos só será verdadeiramente frutífera quando a criança for capaz de segurar e de largar, quando ela tiver adquirido a noção de distância entre ela e o objeto que ela manipula, quando o objeto não fizer mais parte de sua simples atividade corporal indiferenciada.
A Psicomotricidade não é exclusiva de um método, de uma “escola” ou de uma “corrente” de pensamento, nem constitui uma técnica, um processo, mas visa fins educativos pelo emprego do movimento humano (AJURIAGUERRA, apud FONSECA, 1988, p. 332).
Durante as duas últimas décadas, algumas mudanças aconteceram na vida cotidiana do homem moderno, talvez porque os espaços tenham se reduzido devido à urbanização, à necessidade de segurança, à modernização tecnológica, levando as crianças a interagir mais com as máquinas do que com outras crianças. Essas modificações têm afetado principalmente as relações familiares e as crianças, que vem sofrendo com sedentarismo precoce. Outro fator de grande relevância é a iniciação escolar cada vez mais cedo, o que torna a instituição escolar responsável por grande parte da estimulação motora, emocional, cognitiva e social, tornando-se um espaço importante para que as crianças possam experimentar novas vivências.
Porém, independente de quais fatores foram responsáveis, o que não muda é o fato de que, para crescer e aprender, a criança precisa conhecer o seu meio e vivê-lo concretamente. É pelo conhecimento do seu corpo, da exploração de objetos, das relações afetivas que a criança terá subsídios cognitivos, motores e afetivos para suportar a sucessão de informações a que será exposta durante seu crescimento.
Estimulação psicomotora
O primeiro objeto que a criança percebe é o próprio corpo. É pelas sensações, mobilizações e deslocamento que se dá este conhecimento. Alves (2012) fala da importância dos primeiros anos de vida no desenvolvimento da inteligência, da afetividade, das relações sociais na vida do indivíduo e que elas determinam suas capacidades futuras.
O gesto é o primeiro instrumento social de compreensão e expressão da criança. Ações como apontar, evocar, apanhar começam a substituir o choro; a criança gesticula para exprimir situações e ações que ainda não consegue verbalizar, constituindo um importante modo de comunicação que antecede o vocabulário fonético. “Antes da linguagem, as ações motoras é que determinam as ações mentais” (GONÇALVES, 2011, p. 28).
A estimulação motora põe a criança em contato com o objeto, com o meio e com ela mesma, criando uma comunicação corporal cheia de significados. O que diferencia a estimulação motora de uma atividade motora é a intenção de provocar aprimoramento do esquema corporal, ou seja, a criança é estimulada a organizar habilidades diferentes das já experimentadas. É fundamental facilitar a interação da criança com o mundo dos objetos, por meio da experiência concreta e do brincar; a aprendizagem torna-se mais do que um processo acomodativo, para uma aprendizagem mais contextualizada e repleta de significados.
À medida que se colocam maneiras diferentes e novas para executar o movimento anteriormente conhecido, a criança se vê desorganizada e todo um sistema cerebral é ativado, buscando na cognição, na emoção e no aparato motor uma forma de perceber, decodificar, planificar e executar o novo movimento (GONÇALVES, 2011, p. 30).
Por isso, é importante colocar a criança em situação na qual será preciso que ela busque novas situações para conseguir um resultado desejado, mais ela colocará seu cérebro em funcionamento, o que, além de contribuir para o desenvolvimento cognitivo, será importante para sua organização motora, sua autonomia e a criatividade.
Aspectos do desenvolvimento motor
Equilíbrio
O movimento depende de uma atitude; a coordenação do movimento necessita de um bom equilíbrio, que é um dos sentidos mais importantes do corpo humano. O tônus é o que assegura e controla a musculatura para a maioria dos movimentos e atividade postural.
Na medida em que a criança cresce, o equilíbrio torna-se cada vez mais fundamental para a sustentação do corpo.
A equilibração pode ser estática ou dinâmica; Alves (2012) define como:
- Equilíbrio estático: movimentos não locomotores, como ficar em pé, apenas com a ponta dos pés tocando o solo;
- Equilíbrio dinâmico: movimentos locomotores, como o andar em marcha normal sobre uma linha pré-delimitada.
Uma das principais características do equilíbrio e domínio postural é a capacidade de locomoção. É importante que a escola estimule as habilidades e destrezas motoras para desenvolver os movimentos mais complexos, como andar, correr, saltar, girar, agarrar, ter relações sexuais e outros movimentos.
É pelo equilíbrio que a criança começa a se movimentar, e a partir desse momento passa a explorar os objetos e a interagir com tudo ao seu redor, propiciando a sua verticalidade.
A postura bípede deve submeter-se às leis do equilíbrio; para isso, inumeráveis reflexos posturais de origem filogenética devem intervir assim que o deslocamento e a flutuação do centro de gravidade se observam, exatamente para provocar mudanças posturais corretivas, desencadeadas pela ação dos receptores labirínticos, visuais e somaestésicos (FONSECA, 2004, p. 67).
A criança que possui equilíbrio adequado desempenha suas atividades com menor esforço e desgaste, garantindo uma movimentação harmônica e coordenada.
Lateralidade
A lateralidade está relacionada à predominância de um hemisfério cerebral sobre o outro. Quando ocorre a dominância do hemisfério esquerdo sobre o direito, temos o individuo destro; quando ocorre a dominância do hemisfério direito sobre o esquerdo, temos o individuo canhoto ou sinistro; quando não existe predomínio claro e se usa discretamente os dois lados, temos o ambidestro (ALVES, 2012). Embora seja legítimo afirmar que haja cooperação dos lados dos dois hemisférios na formação da inteligência Jean Marie Tasset (apud ALVES, 2012, p. 72) define “a lateralidade como apreensão da ideia de direita e esquerda, dizendo que esse conhecimento deve ser automatizado o mais cedo possível, enfatizando que a automatização da lateralização é necessária e indispensável”.
O conhecimento do próprio corpo é de grande importância nas relações do indivíduo com o mundo exterior, e não depende exclusivamente do desenvolvimento cognitivo, mas também das percepções, das sensações visuais, táteis, sinestésicas e da contribuição da linguagem.
A lateralidade é examinada a partir dos órgãos pares, como pés, mãos, olhos e ouvidos e por meio de gestos do dia a dia. Não devemos definir a lateralidade como sendo apenas o conhecimento esquerda e direita, mas sim toda a percepção do seu eixo corporal.
Todas as noções espaciais básicas, como as de em cima – embaixo, por cima–por baixo, frente–trás, dentro–fora, antes–depois, esquerda–direita etc., que são noções relativas, estão estruturalmente dependentes da noção de lateralidade, do binômio corpo–cérebro, dos nossos membros, dos nossos sentidos e dos nossos hemisférios, binômio psicomotor entendido como centro autogeométrico de orientação (AJURIAGUERRA, apud FONSECA, 2008, p. 242).
É de fundamental importância que as crianças experimentem atividades que utilizem ambos os lados do corpo, favorecendo um desenvolvimento eficiente dos movimentos. Quando a criança chega a determinada fase escolar, entre os 6 e 8 anos, é habitual que já tenha noção de direita e esquerda e dos dois lados do corpo, ou seja, que seja capaz de perceber que direita e esquerda não dependem apenas uma da outra, mas também da posição do outro e do seu deslocamento.
Porém, crianças mais velhas por vezes possuem problemas de aprendizagem oriundos dessa debilidade motora, precisando de treinamento específico da lateralidade para prevenir ou eliminar sintomas como palavras fora de ordem e escrita espelhada, entre outros, reduzindo as possibilidades de adquirir a dislexia.
Reafirmando o que diz Alves (2012): “quando as alterações psicomotoras de ordem geral se manifestam, interferem nas tarefas escolares, refletindo-se mais diretamente na escrita”.
É aconselhável que o professor não empregue os termos esquerda e direita antes que a lateralização esteja bem definida.
Esquema corporal
Para Alves (2012), “o corpo é, portanto, o ponto de referência que o ser humano possui para conhecer e interagir com o mundo”. Partindo desse conceito, o desenvolvimento cognitivo se constrói a partir da relação da criança com o meio, onde ela começa ampliar suas percepções e interiorizar as sensações já experimentadas; é fundamental que ela tenha conhecimento adequado do seu corpo.
O esquema corporal é a consciência que a criança passa a ter sobre o próprio corpo, das partes que o compõem e das possibilidades desse corpo, tanto em movimento como em posição estática.
Para a elaboração do esquema corporal é relevante que a criança vivencie estímulos sensoriais que as possibilite discriminar as partes do próprio corpo e as funções que elas desempenham.
A criança passa por níveis de desenvolvimento e experiências dia a dia, desde o seu nascimento. Inicialmente suas explorações sensoriais vêm por meio da boca, depois do tato e mais tarde ela descobre os pés. A integração do tronco acontece quando a criança começa a se locomover; nesse momento ocorre a configuração total.
Todas as experiências da criança (o prazer e a dor, o sucesso ou o fracasso) são sempre vividas corporalmente. Se acrescentarmos valores sociais que o meio dá ao corpo e a certas partes, esse corpo termina por ser investido de significações, de sentido e de valores muito particulares e absolutamente pessoais (VAYER, 1984, p. 30).
Esses valores a que Vayer se refere serão de fundamental importância para a formação do esquema corporal e da imagem corporal, que é a impressão que se tem de si mesmo.
Portanto, durante a Educação Infantil é interessante desenvolver atividades que permitam à criança a tomada de consciência do seu próprio corpo, a possibilidade de ele tomar várias posições diferentes, ter capacidade de nomear e apontar as partes do corpo, movimentar-se de todas as maneiras e descrever os movimentos, representar graficamente o corpo, identificar sensações e dominar a linguagem corporal.
Referências
ALVES, Fátima. Psicomotricidade: corpo, ação e emoção. 5ª ed. Rio de Janeiro: Wak, 2012.
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOMOTRICIDADE. Código de Ética do Psicomotricista.Disponível em <www.psicomotricidade.com.br/etica.htm>. Acesso em 03 jun.2013.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei nº 9.394/96. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em 12 maio 2013.
BRASIL. RCNEI – Referencial Curricular Nacional da Educação Infantil – volume 3. Brasil, 1998. p.15-40.
FONSECA, Vitor da. Psicomotricidade, psicologia e pedagogia. São Paulo: Martins Fontes, 1993.
FONSECA, Vitor da. Psicomotricidade, perspectivas multidisciplinares. Porto Alegre: Artmed, 2004.
FONSECA, Vitor da. Desenvolvimento psicomotor e aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2008.
FONSECA, Vitor da. Da filogênese à ontogênese da motricidade. Porto Alegre: Artmed, 1988.
FREIRE, João Batista. Educação de corpo inteiro: teoria e prática da Educação Física.São Paulo: Scipione, 1989.
GESELL, Arnold. A criança dos 0 aos 5 anos. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
GONÇALVES, Fátima. Do andar ao escrever: um caminho psicomotor. São Paulo: Cultural RBL, 2011.
LOVISARO, Martha. Psicomotricidade aplicada à escola: guia prático de prevenção das dificuldades de aprendizagem. 2ª ed. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2011.
KRAMER, Sonia (org.). Com a pré-escola nas mãos: uma alternativa curricular para a Educação Infantil. 14ª. ed. São Paulo: Ática, 2007.
LE BOULCH, J. O desenvolvimento psicomotor do nascimento até 6 anos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1985.
MOLCHO, Samy. A linguagem corporal da criança. 4ª ed. São Paulo: Gente, 2007.
VAYER, P. O equilíbrio corporal – uma abordagem dinâmica dos problemas da atitude e do comportamento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1984.
Créditos para: Andreza Santiago Gottgtroy de Araujo e Eduardo Rodrigues da Silva, Mestre em Educação Física e Cultura (UGF)